terça-feira, 18 de julho de 2017

Anacleto Augusto de Medeiros

Anacleto Augusto de Medeiros

Anacleto Augusto de Medeiros (Rio de Janeiro RJ 1866 - idem 1907). Instrumentista, compositor e maestro. É filho de um médico que vive na Ilha de Paquetá com a escrava liberta Isabel Medeiros e tem ainda outros cinco filhos. Desde menino, Medeiros interessa-se pela música, aprendendo flauta e flautim. Para estudar, aos 9 anos, matricula-se na escola interna da Companhia de Menores do Arsenal de Guerra, sediada na cidade do Rio de Janeiro, onde toca flautim. Nela permanece aproximadamente até os 18 anos e se integra à banda da instituição, dirigida pelo maestro Antonio dos Santos Bocot. Ao sair da escola, matricula-se, em 1883, no Conservatório de Música do Rio de Janeiro em busca de educação musical formal, e estuda com Francisco Braga, autor do Hino à Bandeira Nacional. Aprende a tocar diversos instrumentos de sopro e forma-se em dois anos como professor de clarinete, apesar de preferir o sax-soprano. Ao mesmo tempo, em 1884, para sobreviver, trabalha como aprendiz de tipógrafo na Tipografia Nacional. Nesse período frequenta as rodas de choro do centro do Rio de Janeiro e começa a compor. Na empresa, organiza um clube musical e funda a Banda do Clube Musical Gutenberg. Com base nessa experiência, funda várias bandas, como as de Paquetá, Paracambi e Magé, e delas participa como maestro. Em 1896, é convidado a assumir o comando da Banda do Corpo de Bombeiros, na qual reúne músicos da época da banda do Arsenal de Guerra e também das rodas de choro. Rapidamente a banda alcança reconhecimento, assim como seu regente, tornando-se a mais importante da cidade. Com a fundação da Casa Edison o conjunto registra, no início do século XX, diversos fonogramas para a gravadora, e se torna um dos pioneiros da indústria fonográfica. Em 1906, ele deixa o comando da banda dos bombeiros e fica na regência apenas das bandas da Fábrica de Tecidos Bangu (1904), da Fábrica de Tecidos de Macacos (depois Paracambi) e de Piedade (Magé). Pouco depois assume ainda o comando da banda da Fiação Confiança (em Vila Isabel).


É na década de 1890 que Medeiros aparece como autor. Criando com mais assiduidade, torna-se reconhecido compositor no circuito musical carioca. Em 1895, compõe o xote Iara, que, posteriormente, em 1912, recebe letra de Catulo da Paixão Cearense com nome de Rasga Coração (cuja melodia Villa-Lobos usa mais tarde como tema do Choros nº 10), com quem estabelece boas relações e a parceria em algumas canções, como Palmas de Martírio (s.d.), as polcas Fadário (s.d.) e O que Tu És (ou Três Estrelas, s.d.), gravadas por Mário Pinheiro e Bahiano. Compõe também os dobrados Cabeça de Porco e Avenida (ambos s.d.); o tango Os Boêmios (s.d.); as polcas Em Ti Pensando e Medrosa (ambas s.d.); e a valsa Coralina (s.d.); entre diversas outras obras. Desse modo, Medeiros amadurece como um músico completo: exímio maestro, instrumentista capaz e autor de obra composta de mais de uma centena de peças.
Comentário Crítico

A obra de Anacleto Medeiros revela a diversidade de experiências culturais e musicais pelas quais passa o Rio de Janeiro, capital do Brasil, entre o fim do século XIX e início do XX. Nesse espaço urbano em crescimento, em que convivem elementos modernizadores e tradições escravistas, a cultura cria e ensaia novas experiências musicais. Gêneros europeus como polca, schottisch, mazurca e valsa, executados ao piano nos salões, convivem com os ritmos afro-americanos dos batuques e lundus, e também com as modinhas brasileiras. Nesse universo de diálogos intertextuais e fusões, as bandas têm papel destacado, pois alcança o grande público, reunido em festas populares (coretos e praças), salões, concertos e cafés. Para atingir setores sociais diversificados, elas apresentam repertório variado: dos gêneros europeus aos brasileiros em formação, do repertório erudito à música do povo. A importância desses grupos até o início do século XX pode ser medido pelo papel que desempenham na profissionalização do músico, tanto nos grandes centros urbanos como nas pequenas e médias cidades, e também no pioneirismo nas gravações dos primeiros fonogramas. Vive-se nesse período de passagem dos séculos uma espécie de "era das bandas". E Anacleto de Medeiros se realiza antes de tudo como líder de banda e assim se destaca, como revela Alexandre Gonçalves Pinto em sua obra sobre antigos chorões:

 "Como mestre da Banda do Corpo de Bombeiros ele imortalizou-se, com a sua inteligência e devotamento, trabalhou corrigindo, modelando e aperfeiçoando todos os seus comandados com a magia de uma grande vara usada por ele nos ensaios à guisa de batuta que fazia os seus alunos obedecerem. Como maestro ensaiador transformou a Banda do Corpo de Bombeiros em um conjunto de músicos professores que o respeitavam e o obedeciam (...)".
PINTO, Alexandre Gonçalves. O choro. Rio de Janeiro: Funarte, 1978. Edição fac-similar da edição de 1936. p. 78


A trajetória e a obra de Anacleto de Medeiros devem ser compreendidas nesse panorama social e cultural e consideradas, sobretudo, como protagonistas privilegiadas desse processo. É nesse universo de diálogos culturais e musicais que Medeiros constrói sua escuta e retorna à sociedade em forma de polca, valsa, tango, marcha, maxixe, mas principalmente "xótis" e choro. Apresentadas de maneira inovadora, sua prática musical e suas composições são ao mesmo tempo formas de intercâmbio entre as culturas populares e a erudita, mas desempenham também papel importante no diálogo entre as culturas populares. Desse modo, Medeiros é antes de tudo um intermediário cultural que colabora de modo inventivo e decisivo para a decantação de aspectos e gêneros da moderna música urbana em formação no Brasil. Seus "chótis" (ou xótis e ainda xote; o nome é uma corruptela do gênero europeu schottisch) e choros são as expressões dessas miscigenações e sínteses. Porém, sua obra evidencia de modo mais abrangente as fusões de gêneros do período.


O uso da valsa, por exemplo, é comum entre os chorões da época, que transformam o gênero austríaco em "valsinha". O maestro compõe algumas valsas, como Coralina, Terna Saudade, Despedida (ou Serenata, com versos de Catulo da Paixão Cearense), Juraci e Lídia. Também faz parte da performance das rodas de choro do período tocar de modo especial um repertório formado de animadas "polcas" e tangos. Assim, Medeiros compõe polcas sincopadas, como Cabeça de Porco (referência ao famoso cortiço carioca, demolido em 1894 por ordens do prefeito do Rio de Janeiro, Barata Ribeiro), Em Ti Pensando e Medrosa e tangos amaxixados como Os Boêmios. Mas é principalmente na transformação do schottisch em "chótis" que a obra do maestro se destaca. De andamento mais lento, ele serve tanto para a dança como para a canção. Sua composição Iara assume essa dupla característica: na sua forma instrumental original, e tocada em arranjo bandista se presta à coreografia. Contudo, Catulo usa sua melodia, coloca letra postumamente e a denomina Rasga Coração, alcançando certo sucesso. A mesma situação se repete em Palmas de Martírio (originalmente Implorando), Três Estrelinhas (originalmente O que Tu És) e continua com Por um Beijo (originalmente Terna Saudade) e segue com Fadário (originalmente Medrosa). Essas peças, gravadas inicialmente em disco por Bahiano e Mário Pinheiro, consagram a dupla e Medeiros no cancioneiro nacional.

As composições de Medeiros destinadas ao repertório bandista são bastante ricas e diversificadas. Seus dobrados (originados do paso doble), gênero caracteristicamente bandista, são muito tocados na época, como Avenida (feita em homenagem às profundas reformas urbanas feitas na capital do país por Pereira Passos, entre 1903 e 1906), Jubileu (1896) e Pavilhão Brasileiro (s.d.). As marchas para banda também se destacam em seu repertório, como Conde de Santo Agostinho (s.d.) e Doutor Pinheiro Freire (s.d.). 


Apesar do fim das bandas como meio privilegiado de divulgação musical, as ricas e diversificadas experiências musicais realizadas por Anacleto de Medeiros permanecem de várias maneiras. No cancioneiro nacional, que consagra seus xotes, valsas e modinhas na voz de Paraguassu, Vicente Celestino, Paulo Tapajós entre outros. No tipo de arranjo orquestral destinado à música popular, que seria transportado posteriormente para a indústria fonográfica e radiofônica. E, finalmente, na ponte que cria entre as culturas das bandas e as rodas de choro, determinante para a propagação do gênero e a prática do choro.

Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa12241/anacleto-de-medeiros

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