Anacleto
Augusto de Medeiros
Anacleto
Augusto de Medeiros (Rio de Janeiro RJ 1866 - idem 1907).
Instrumentista, compositor e maestro. É filho de um médico que vive na
Ilha de Paquetá com a escrava liberta Isabel Medeiros e tem ainda outros
cinco filhos. Desde menino, Medeiros interessa-se pela música,
aprendendo flauta e flautim. Para estudar, aos 9 anos, matricula-se na
escola interna da Companhia de Menores do Arsenal de Guerra, sediada na
cidade do Rio de Janeiro, onde toca flautim. Nela permanece
aproximadamente até os 18 anos e se integra à banda da instituição,
dirigida pelo maestro Antonio dos Santos Bocot.
Ao sair da escola, matricula-se, em 1883, no Conservatório de Música
do Rio de Janeiro em busca de educação musical formal, e estuda com
Francisco Braga, autor do Hino à Bandeira Nacional. Aprende a
tocar diversos instrumentos de sopro e forma-se em dois anos como
professor de clarinete, apesar de preferir o sax-soprano. Ao mesmo
tempo, em 1884, para sobreviver, trabalha como aprendiz de tipógrafo na
Tipografia Nacional. Nesse período frequenta as rodas de choro do centro
do Rio de Janeiro e começa a compor. Na empresa, organiza um clube
musical e funda a Banda do Clube Musical Gutenberg. Com base nessa
experiência, funda várias bandas, como as de Paquetá, Paracambi e Magé, e
delas participa como maestro. Em 1896, é convidado a assumir o comando
da Banda do Corpo de Bombeiros, na qual reúne músicos da época da banda
do Arsenal de Guerra e também das rodas de choro. Rapidamente a banda
alcança reconhecimento, assim como seu regente, tornando-se a mais
importante da cidade. Com a fundação da Casa Edison o conjunto registra,
no início do século XX, diversos fonogramas para a gravadora, e se
torna um dos pioneiros da indústria fonográfica. Em 1906, ele deixa o
comando da banda dos bombeiros e fica na regência apenas das bandas da
Fábrica de Tecidos Bangu (1904), da Fábrica de Tecidos de Macacos
(depois Paracambi) e de Piedade (Magé). Pouco depois assume ainda o
comando da banda da Fiação Confiança (em Vila Isabel).
É na década de 1890 que Medeiros aparece como autor. Criando com mais
assiduidade, torna-se reconhecido compositor no circuito musical
carioca. Em 1895, compõe o xote Iara, que, posteriormente, em 1912, recebe letra de Catulo da Paixão Cearense com nome de Rasga Coração (cuja melodia Villa-Lobos usa mais tarde como tema do Choros nº 10), com quem estabelece boas relações e a parceria em algumas canções, como Palmas de Martírio (s.d.), as polcas Fadário (s.d.) e O que Tu És (ou Três Estrelas, s.d.), gravadas por Mário Pinheiro e Bahiano. Compõe também os dobrados Cabeça de Porco e Avenida (ambos s.d.); o tango Os Boêmios (s.d.); as polcas Em Ti Pensando e Medrosa (ambas s.d.); e a valsa Coralina
(s.d.); entre diversas outras obras. Desse modo, Medeiros amadurece
como um músico completo: exímio maestro, instrumentista capaz e autor de
obra composta de mais de uma centena de peças.
A obra de Anacleto Medeiros revela a diversidade de experiências
culturais e musicais pelas quais passa o Rio de Janeiro, capital do
Brasil, entre o fim do século XIX e início do XX. Nesse espaço urbano em
crescimento, em que convivem elementos modernizadores e tradições
escravistas, a cultura cria e ensaia novas experiências musicais.
Gêneros europeus como polca, schottisch, mazurca e valsa,
executados ao piano nos salões, convivem com os ritmos afro-americanos
dos batuques e lundus, e também com as modinhas brasileiras. Nesse
universo de diálogos intertextuais e fusões, as bandas têm papel
destacado, pois alcança o grande público, reunido em festas populares
(coretos e praças), salões, concertos e cafés. Para atingir setores
sociais diversificados, elas apresentam repertório variado: dos gêneros
europeus aos brasileiros em formação, do repertório erudito à música do
povo. A importância desses grupos até o início do século XX pode ser
medido pelo papel que desempenham na profissionalização do músico, tanto
nos grandes centros urbanos como nas pequenas e médias cidades, e
também no pioneirismo nas gravações dos primeiros fonogramas. Vive-se
nesse período de passagem dos séculos uma espécie de "era das bandas". E
Anacleto de Medeiros se realiza antes de tudo como líder de banda e
assim se destaca, como revela Alexandre Gonçalves Pinto em sua obra
sobre antigos chorões:
"Como mestre da Banda do Corpo de Bombeiros ele imortalizou-se, com a sua inteligência e devotamento, trabalhou corrigindo, modelando e aperfeiçoando todos os seus comandados com a magia de uma grande vara usada por ele nos ensaios à guisa de batuta que fazia os seus alunos obedecerem. Como maestro ensaiador transformou a Banda do Corpo de Bombeiros em um conjunto de músicos professores que o respeitavam e o obedeciam (...)".
PINTO, Alexandre Gonçalves. O choro. Rio de Janeiro: Funarte, 1978. Edição fac-similar da edição de 1936. p. 78
PINTO, Alexandre Gonçalves. O choro. Rio de Janeiro: Funarte, 1978. Edição fac-similar da edição de 1936. p. 78
A trajetória e a obra de Anacleto de Medeiros devem ser compreendidas
nesse panorama social e cultural e consideradas, sobretudo, como
protagonistas privilegiadas desse processo. É nesse universo de diálogos
culturais e musicais que Medeiros constrói sua escuta e retorna à
sociedade em forma de polca, valsa, tango, marcha, maxixe, mas
principalmente "xótis" e choro. Apresentadas de maneira inovadora, sua
prática musical e suas composições são ao mesmo tempo formas de
intercâmbio entre as culturas populares e a erudita, mas desempenham
também papel importante no diálogo entre as culturas populares. Desse
modo, Medeiros é antes de tudo um intermediário cultural que colabora de
modo inventivo e decisivo para a decantação de aspectos e gêneros da
moderna música urbana em formação no Brasil. Seus "chótis" (ou xótis e
ainda xote; o nome é uma corruptela do gênero europeu schottisch)
e choros são as expressões dessas miscigenações e sínteses. Porém, sua
obra evidencia de modo mais abrangente as fusões de gêneros do período.
O uso da valsa, por exemplo, é comum entre os chorões da época, que
transformam o gênero austríaco em "valsinha". O maestro compõe algumas
valsas, como Coralina, Terna Saudade, Despedida (ou Serenata, com versos de Catulo da Paixão Cearense), Juraci e Lídia. Também
faz parte da performance das rodas de choro do período tocar de modo
especial um repertório formado de animadas "polcas" e tangos. Assim,
Medeiros compõe polcas sincopadas, como Cabeça de Porco (referência ao famoso cortiço carioca, demolido em 1894 por ordens do prefeito do Rio de Janeiro, Barata Ribeiro), Em Ti Pensando e Medrosa e tangos amaxixados como Os Boêmios. Mas é principalmente na transformação do schottisch
em "chótis" que a obra do maestro se destaca. De andamento mais lento,
ele serve tanto para a dança como para a canção. Sua composição Iara assume
essa dupla característica: na sua forma instrumental original, e tocada
em arranjo bandista se presta à coreografia. Contudo, Catulo usa sua
melodia, coloca letra postumamente e a denomina Rasga Coração, alcançando certo sucesso. A mesma situação se repete em Palmas de Martírio (originalmente Implorando), Três Estrelinhas (originalmente O que Tu És) e continua com Por um Beijo (originalmente Terna Saudade) e segue com Fadário (originalmente Medrosa). Essas peças, gravadas inicialmente em disco por Bahiano e Mário Pinheiro, consagram a dupla e Medeiros no cancioneiro nacional.
As composições de Medeiros destinadas ao repertório bandista são
bastante ricas e diversificadas. Seus dobrados (originados do paso doble), gênero caracteristicamente bandista, são muito tocados na época, como Avenida (feita em homenagem às profundas reformas urbanas feitas na capital do país por Pereira Passos, entre 1903 e 1906), Jubileu (1896) e Pavilhão Brasileiro (s.d.). As marchas para banda também se destacam em seu repertório, como Conde de Santo Agostinho (s.d.) e Doutor Pinheiro Freire (s.d.).
Apesar do fim das bandas como meio privilegiado de divulgação
musical, as ricas e diversificadas experiências musicais realizadas por
Anacleto de Medeiros permanecem de várias maneiras. No cancioneiro
nacional, que consagra seus xotes, valsas e modinhas na voz de
Paraguassu, Vicente Celestino, Paulo Tapajós entre outros. No tipo de
arranjo orquestral destinado à música popular, que seria transportado
posteriormente para a indústria fonográfica e radiofônica. E,
finalmente, na ponte que cria entre as culturas das bandas e as rodas de
choro, determinante para a propagação do gênero e a prática do choro.
Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa12241/anacleto-de-medeiros
Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa12241/anacleto-de-medeiros
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